segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

"Lajes são uma das três bases que EUA nunca abandonarão"

Nixon com Spínola nos Açores em junho de 1974. Falaram das colónias portuguesas em África
Os 240 anos de história luso-americana vistos à lupa por Tiago Moreira de Sá num novo livro. Uma relação que, afinal, não se resume à base nos Açores
Portugal reconheceu a independência dos Estados Unidos em fevereiro de 1783, sendo com a França e a Holanda um dos três países que deram esse passo antes de, em setembro do mesmo ano, o Tratado de Paris pôr fim à guerra entre as 13 colónias e a Inglaterra. Só este episódio, um dos muitos contados por Tiago Moreira de Sá em História das Relações Portugal-EUA (1776-2015), ajuda a explicar a força dos laços entre os dois países, que a geografia garante que persistirão apesar da conjuntura de desinvestimento americano na Europa, em Portugal por arrasto e nos Açores em particular.
"O reconhecimento da independência dos Estados Unidos tem de ser visto no quadro das mudanças que estavam a dar-se em Portugal depois da morte de D. José. O governo de D. Maria I queria mostrar maior flexibilidade em relação à Inglaterra, o velho aliado", explica Moreira de Sá ao DN. O historiador sublinha, porém, que foi uma ousadia relativa, pois o reconhecimento deu-se quando as vitórias militares de George Washington tornavam já inevitável a independência e a própria coroa inglesa se preparava para negociar. O historiador não conseguiu, porém, encontrar um documento que mostre que houve algum acordo prévio dos ingleses.
Com mais de 600 páginas, e realizado no âmbito de um projeto de investigação da Universidade Nova de Lisboa financiado pela FLAD, o livro é o primeiro a abordar toda a história diplomática luso-americana. O embaixador José Calvet de Magalhães escreveu também uma História das Relações Diplomáticas entre Portugal e os Estados Unidos da América, mas só até à implantação da República. De resto, a abundante bibliografia sobre os dois países foca épocas específicas, como os livros do historiador Luís Nuno Rodrigues sobre Estados Unidos e Açores na década de 1940 ou a relação entre Kennedy e Salazar. O próprio Moreira de Sá, doutorado em História das Relações Internacionais pelo ISCTE-IUL, tem obra publicada sobre o pós-25 de Abril, caso de Carlucci vs. Kissinger. Os EUA e a Revolução Portuguesa e Os Americanos na Revolução Portuguesa.
O valor estratégico dos Açores
Nesta longa história é interessante a forma como Lisboa quase não reage ao reconhecimento do Brasil pelos Estados Unidos, que aconteceu em 1824 no seguimento do discurso de James Monroe que definiu a doutrina pan-americanista que leva o seu nome. Outro momento importante é a fundação da NATO. Segundo o historiador, apesar de Portugal ser uma ditadura , "não houve vozes significativas na América a contestar a entrada do país na NATO. Vivia-se já a sovietofobia que se intensificaria nos anos 1950. A prioridade era uma aliança que contrariasse o expansionismo de Moscovo". Nota ainda o académico que, durante a Segunda Guerra Mundial, a atitude de Portugal também foi mais favorável aos Aliados do que a de Espanha, com a instalação dos britânicos nas Lajes, depois substituídos pelos americanos.
Ora, é a importância estratégica das Lajes que vai a partir daí impor-se nas relações luso-americanas. Mesmo Kennedy, de início hostil a Portugal e favorável aos movimentos anticoloniais, vai retroceder quando a Crise dos Mísseis de Cuba leva a Guerra Fria ao apogeu. A base açoriana é então essencial para a projeção de poder dos Estados Unidos. E também no pós-25 de Abril, quando em Washington alguns dão Portugal como perdido para o campo soviético, as Lajes motivam contactos com separatistas açorianos.
Moreira de Sá fala de "crise séria" hoje na relação entre Portugal e os Estados Unidos, pois os americanos olham mais para a Ásia do que para a Europa. Mas o historiador confessa ao DN uma certeza: "As Lajes, no meio do Atlântico, são uma das três bases que os Estados Unidos nunca abandonarão, tal como Diego Garcia, no Índico, e Guam, no Pacífico."

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