Rua D. Antão de Almada, Nº1 - Lisboa
Perdoem-me! Vendi-me por 3 dinheiros-pedaços de marmelada, vergonhosamente deitada em cama suada de Queijo da Ilha, qual Judas esfomeada. E não. Não foi só por isso. Também me vendi por finíssimos lençóis de presunto, de um outrora excelentíssimo porco, por goles valentes de Licor de Ginja Abadia e pela doçura beata dos rebuçados de ovo. Se já acabei? Não. Também me vendi pela simpatia do Zé Martins, doutorado em Bacalhau há coisa de 40 anos, altura em que embarcou neste balcão, temperado com sal e mar. E ainda me vendi pela graça do Luís, que só leva um ano de casa mas já tem muito pouco de aprendiz. Foi só isso? Nem pensar! Ainda não vai a missa pela metade. Deixem-me então começar.
Era uma vez, numa terra de gente que gostava mais de usar garfo que espada, uma loja que eram duas. Quem chegava pelo Hortelão encontrava uma cheirosa Bacalhoaria mas se vinha pela Ginjinha dava com uma rica Manteigaria. Lá dentro ambas se encontravam, pois caminho que é bom chega a todo o lado. Vamos então voltar ao século XIX, a um matadouro que virou talho abastecedor da verdadeira Praça da Figueira, em 56 já era uma bem sucedida Manteigaria, depois chegaram os bacalhaus e aí começou a romaria.
Idos os Silvas, ficou José Branco, dono da casa, um generoso anfitrião, ajudado pelo dedicado Zé Branco, que não é gémeo mas júnior, como convém aos negócios de tradição.
Dentro da loja a actividade é intensa, chegam turistas em rebanho, juram em línguas bárbaras que "aqueles presuntos devem ser mas é de plástico", entram senhoras indecisas com o que querem jantar, se caras de bacalhau, se rabos de atum, curam-se queijos "doentes" lá ao fundo, já a marmelada é tão sã que podia cair assim da árvore, cortam-se fatias tão finas de presunto que dão para ler o jornal (isto se presuntos lessem jornais) na incrível e antiga engenhoca Berkel, a Jacinta e a Susana, sempre sorridentes atrás do balcão, pesam frutos secos, embrulham chouriços, alheiras e queijos, chega o cliente e diz "aquela perna dá dez bigodes à outra" e eu cá digo "deixe lá provar isso dos bigodes", passam-se nêsperas, quiabos, bananas, mandioca, feijão... É todo um museu-dispensa, olhar só não chega, há que alambazar....
Dentro da loja a actividade é intensa, chegam turistas em rebanho, juram em línguas bárbaras que "aqueles presuntos devem ser mas é de plástico", entram senhoras indecisas com o que querem jantar, se caras de bacalhau, se rabos de atum, curam-se queijos "doentes" lá ao fundo, já a marmelada é tão sã que podia cair assim da árvore, cortam-se fatias tão finas de presunto que dão para ler o jornal (isto se presuntos lessem jornais) na incrível e antiga engenhoca Berkel, a Jacinta e a Susana, sempre sorridentes atrás do balcão, pesam frutos secos, embrulham chouriços, alheiras e queijos, chega o cliente e diz "aquela perna dá dez bigodes à outra" e eu cá digo "deixe lá provar isso dos bigodes", passam-se nêsperas, quiabos, bananas, mandioca, feijão... É todo um museu-dispensa, olhar só não chega, há que alambazar....
E é por isso que eu, que sou filha dessa raça que gosta mais da colher que da caneta, que desconfia de quem tem medo de engordar e de quem não sabe conjugar o verbo "petiscar"... Eu, que me derreto com sorrisinhos em forma de pratinhos com bocadinhos de "prove lá"... Como podia eu não me vender em elogios a uma loja destas?
E a vós que me julgam, se ainda existirem, troquem as pedras por copinhos de chocolate, punhados de azeitonas, bocadinhos de alheira e chouriço, lascas de bacalhau, nacos de presunto, tiras de queijo, mancheias de passas, pinhões, amêndoas... Vamos, atirem-me tudo isso.
Mas façam-me só um favorzinho, tragam esses castigos lá da Manteigaria.