"Lajes são uma das três bases que EUA nunca abandonarão"
Os 240 anos de história luso-americana vistos à lupa por Tiago Moreira de Sá num novo livro. Uma relação que, afinal, não se resume à base nos Açores
Portugal reconheceu a independência dos Estados Unidos em fevereiro de 1783, sendo com a França e a Holanda um dos três países que deram esse passo antes de, em setembro do mesmo ano, o Tratado de Paris pôr fim à guerra entre as 13 colónias e a Inglaterra. Só este episódio, um dos muitos contados por Tiago Moreira de Sá em História das Relações Portugal-EUA (1776-2015), ajuda a explicar a força dos laços entre os dois países, que a geografia garante que persistirão apesar da conjuntura de desinvestimento americano na Europa, em Portugal por arrasto e nos Açores em particular.
"O reconhecimento da independência dos Estados Unidos tem de ser visto no quadro das mudanças que estavam a dar-se em Portugal depois da morte de D. José. O governo de D. Maria I queria mostrar maior flexibilidade em relação à Inglaterra, o velho aliado", explica Moreira de Sá ao DN. O historiador sublinha, porém, que foi uma ousadia relativa, pois o reconhecimento deu-se quando as vitórias militares de George Washington tornavam já inevitável a independência e a própria coroa inglesa se preparava para negociar. O historiador não conseguiu, porém, encontrar um documento que mostre que houve algum acordo prévio dos ingleses.
Com mais de 600 páginas, e realizado no âmbito de um projeto de investigação da Universidade Nova de Lisboa financiado pela FLAD, o livro é o primeiro a abordar toda a história diplomática luso-americana. O embaixador José Calvet de Magalhães escreveu também uma História das Relações Diplomáticas entre Portugal e os Estados Unidos da América, mas só até à implantação da República. De resto, a abundante bibliografia sobre os dois países foca épocas específicas, como os livros do historiador Luís Nuno Rodrigues sobre Estados Unidos e Açores na década de 1940 ou a relação entre Kennedy e Salazar. O próprio Moreira de Sá, doutorado em História das Relações Internacionais pelo ISCTE-IUL, tem obra publicada sobre o pós-25 de Abril, caso de Carlucci vs. Kissinger. Os EUA e a Revolução Portuguesa e Os Americanos na Revolução Portuguesa.
O valor estratégico dos Açores
Nesta longa história é interessante a forma como Lisboa quase não reage ao reconhecimento do Brasil pelos Estados Unidos, que aconteceu em 1824 no seguimento do discurso de James Monroe que definiu a doutrina pan-americanista que leva o seu nome. Outro momento importante é a fundação da NATO. Segundo o historiador, apesar de Portugal ser uma ditadura , "não houve vozes significativas na América a contestar a entrada do país na NATO. Vivia-se já a sovietofobia que se intensificaria nos anos 1950. A prioridade era uma aliança que contrariasse o expansionismo de Moscovo". Nota ainda o académico que, durante a Segunda Guerra Mundial, a atitude de Portugal também foi mais favorável aos Aliados do que a de Espanha, com a instalação dos britânicos nas Lajes, depois substituídos pelos americanos.
Ora, é a importância estratégica das Lajes que vai a partir daí impor-se nas relações luso-americanas. Mesmo Kennedy, de início hostil a Portugal e favorável aos movimentos anticoloniais, vai retroceder quando a Crise dos Mísseis de Cuba leva a Guerra Fria ao apogeu. A base açoriana é então essencial para a projeção de poder dos Estados Unidos. E também no pós-25 de Abril, quando em Washington alguns dão Portugal como perdido para o campo soviético, as Lajes motivam contactos com separatistas açorianos.
Moreira de Sá fala de "crise séria" hoje na relação entre Portugal e os Estados Unidos, pois os americanos olham mais para a Ásia do que para a Europa. Mas o historiador confessa ao DN uma certeza: "As Lajes, no meio do Atlântico, são uma das três bases que os Estados Unidos nunca abandonarão, tal como Diego Garcia, no Índico, e Guam, no Pacífico."
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